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Contribuição de Renato de Alcantara

sábado, 30 de julho de 2011

Resenha-Gênero e sexualidade: o que a escola tem a ver com isso?

Tanto os vídeos acima quanto a pesquisa de Marcela Lima da Silva e Flávia Fernandes de Carvalhaes, apresentado no I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas, na Universidade Federal de Londrina, tentam responder e perceber como o ambiente escolar trata as questões referentes ao gênero e sexualidade. No intuito de gerar mais subsídios para um debate a respeito deste tema, faremos, agora, a apreciação desta pesquisa que recomendamos leitura integral clicando-se no link.

Foi realizada uma pesquisa qualitativa buscando analisar quais representações sociais sobre sexualidade e gênero, presentes nos discursos da comunidade (professores, pedagogos, funcionários da secretaria e serviços gerais) de três escolas da rede estadual do município de Arapongas – PR, e verificar os efeitos desses significados nos materiais didáticos, projeto pedagógico e, principalmente, na relação com os alunos. Foram utilizados questionários combinando perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, como instrumento de coleta de dados.

As autoras percebem que a escola, além de cumprir com a função de controle do tempo e controle dos corpos, também possui um controle mais abrangente, visto que possui o controle sobre o próprio mecanismo de produção do conhecimento, fixando os indivíduos a um saber já estabelecido pela instituição. Esta Instituição, portanto, participa ativamente nos processos de socialização, auxilia os indivíduos em seu processo de assimilação das normas sociais, ordenando comportamentos e unificando linguagens, penalizando àqueles que se recusam ou que se desviem dessas normas.

Sendo o papel social da escola articulada a práticas de docilização e atribuição de naturalidade a fatos sociais, isso implica, muitas vezes, na impossibilidade de circulação de reflexões críticas na comunidade escolar, tais como questões relacionadas às construções sócio-históricas evidenciadas pelos estudos da sexualidade e de gênero.

Foucault (1988) diz que a nossa sociedade transpôs o “umbral da modernidade biológica” na passagem do século XVIII para o XIX, exatamente por serem os corpos (indivíduos) e a espécie humana o foco das estratégias políticas do poder disciplinar, que se deu através do controle biológico (natalidade, mortalidade, práticas sexuais, etc.) da população, respaldado pela produção de um discurso científico que denomina de “biopoder”. Acredita que a construção social tem um papel fundamental na elaboração da sexualidade humana, pois, segundo o autor, a sexualidade não é um dado da natureza, mas uma produção social consolidada em contextos culturais e com finalidades políticas.

Nesse sentido foram analisados os efeitos desses discursos nas respostas obtidas através dos questionários, que foram aplicados aos professores com perguntas abertas, que buscaram verificar representações sociais da comunidade escolar sobre aspectos relacionados à sexualidade e gênero. As perguntas problematizavam, principalmente, o conhecimento a respeito dos estudos de gênero, papéis sociais atribuídos a homens e mulheres, a existência de desigualdades no tratamento de alunos do sexo masculino e feminino, e como são problematizadas as questões das diversidades sexuais.

Foram distribuídos cinqüenta questionários em três escolas da rede estadual do município de Arapongas, sendo que os dados coletados abrangeram 78% das respostas foram de professores(as), 8% de pedagogos(as) e 14% funcionários(as) da secretaria e dos serviços gerais.

Através das respostas, percebeu-se que são raras as orientações e cursos de capacitação profissional sobre questões relacionadas à sexualidade e gênero, sendo que dos profissionais que responderam ao questionário, 84% declararam nunca ter tido nenhum tipo de curso sobre essas temáticas e 92% declaram não ter participado de curso que abordasse as diversidades sexuais. Apenas 0,2% das pesquisados declarou haver questões de gênero e sexualidade na grade curricular da especialização.

Importante é perceber que 90% dos profissionais acessados são do sexo feminino, o que pode ser compreendido pelo fato de a escola ser interpretada culturalmente como uma Instituição que, juntamente com a família, é responsável pelo cuidado e disciplina das crianças e jovens, papel socialmente destinado às mulheres

Sobre estudos de gênero e da sexualidade, a maioria desses profissionais de educação admite não conhecer nada a respeito (62%), e àqueles que declaram conhecer, em sua maioria, associaram esses estudos à homossexualidade e a distúrbios.

Na análise dos dados coletados, 43% das respostas obtidas indicam a atribuição de naturalidade a diferença de papéis sociais entre homens e mulheres na sociedade. Ao masculino foram atribuídas representações sociais de provedor e responsável pelo orçamento da família, autoridade, poder, força física, razão e rapidez em decisões. Já ao feminino foram atribuídos significados sociais como “dona do lar”, chefe dos cuidados domésticos e dos filhos, maternidade, delicadeza, emoção e responsável pelo equilíbrio do lar.

Ao responderem ao quesito igualdade de tratamento entre meninos e meninas no ambiente escolar, a grande maioria (80%) afirmou que sim, o que soou paradoxal, devido ao número significativo de respostas que afirmam estereótipos de gênero e papéis sociais cristalizados. As representações sociais de masculino e feminino, por estarem tão naturalizados e incorporados, geralmente produzem diferenças de tratamento entre alunos meninas e meninos no ambiente escolar.

As contradições entre discursos e práticas sociais encontradas nas entrevistas, traduzem valores, noções e representações construídas na Modernidade, ao mesmo tempo em que permite refletir sobre o quanto algumas normas sociais estão sendo ressignificadas na sociedade contemporânea.

Em relação ao regimento escolar e a organização do trabalho pedagógico, 30% dos entrevistados declararam desconhecer se esses contemplam questões sobre sexualidade e gênero, 54% declara que inexiste esse conteúdo. Atrelado a essas respostas, 64% dos pesquisados declararam que o material didático não contempla questões sobre diversidades sexuais, o que provavelmente contribui para legitimar informações e práticas equivocadas e preconceituosas com alunos homossexuais.

Cabe observar que 63% dos entrevistados declararam não haver nenhum programa de educação sexual na escola, e 15% declarou que os assuntos referentes à educação sexual são contemplados nas matérias de biologia e ciências do corpo humano. Tais disciplinas, geralmente, abordam as construções sócio-históricas da sexualidade e dos gêneros, através de paradigmas naturalistas.

Cabe ressaltar que, de acordo com a idade e tempo de formação dos profissionais que responderam aos questionários, a maioria se formou nas décadas de 60, 70 e 80, em plena ditadura militar, onde assuntos como sexualidade e, principalmente, homossexualidade eram (e ainda são em muitos lugares) proibidos, o que prejudicou a formação crítica e a obtenção de informações sobre essas temáticas, aliado a falta de conhecimento e capacitação, o que contribui para as dificuldades desses profissionais em apreender novas concepções e perspectivas teóricas e metodológicas.

Diante desses dados, pode-se analisar que há poucas oportunidades de reflexão acerca das questões de gênero, sexualidade e diversidade sexual na comunidade escolar, o que acarreta práticas e discursos equivocados, moralistas e preconceituosos. Ressalta-se, ainda, danos maiores a alunos homossexuais, a mercê de tratamentos baseados em valores morais e/ou religiosos, o que acarreta em prejuízos para todos, visto que esses valores refletem de uma organização social machista e preconceituosa. Como nas seguintes falas transcritas dos questionários:

“(...) O assunto ainda é complicado. É melhor respeitar e quando possível ajudar. Mas não me sinto preparada. Porque biblicamente esse é um ato reprovado pelas escrituras bíblicas, mas amamos toda criatura de Deus.

(...) O tema não me agrada. Respeito, mas não concordo, é como se tivéssemos que ver tudo como certo. E sabemos que não é certo.

(...) O que ainda se percebe é a diferenciação com relação aos alunos que possuem opções sexuais diferentes”.

Portanto, conclui-se que as narrativas que aparecem na análise do material coletado, apontam para a permanência de processos de normatização que estão em trânsito na contemporaneidade. Valores como, por exemplo, o reconhecimento da mulher através da maternidade, dos homens como provedores e da homossexualidade como perversão, não foram completamente subvertidos nos discursos e práticas sociais em muitas escolas.

É necessário refletir cuidadosamente sobre atribuições de gênero que cristalizam possibilidades de ação e escolha de homens e mulheres, sobre o quanto muitos dos discursos presentes na comunidade escolar contribuem para a legitimação desses papéis e para a produção de processos de exclusão e estigmatização.


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